CEGUEIRA DE CANIL
Por Claudia Waller Orlandi, Ph.D.
Ter conhecimentos genéticos básicos pelo criador de cães é de suma importância para o sucesso de seu programa de criação. Mas um fenômeno demasiado comum, conhecido como “Cegueira dos Canis”, pode acabar com algumas criações durante seu percurso. Muitos trabalhos sobre a criação de cães dedicam pouco ou nenhum espaço ao conceito da “Cegueira dos Canis”, embora a seriedade dessa “doença do criador” e os danos que possa causar no sucesso de uma criação mereçam uma olhada muito mais séria.
Encontrada em vários canis, a “Cegueira dos Canis” é uma “doença” resultante da inabilidade do criador ou na recusa do mesmo em admitir as falhas presentes em sua criação, ainda que relatem conformação com o padrão, comportamento ou doenças genéticas. Criadores “cegos” tendem a justificar os defeitos dos seus exemplares desenvolvendo distorcendo o padrão racial, como diz Ann Seranne em seu livro, “The Joy of Breeding Your Own Show Dog”.
“O criador, para ter sucesso, deve olhar para seus cães… não apenas para a cabeça ou pelagem, mas para o corpo, observando o conjunto (estrutura e movimentação). --Do livro “The New Art of Breeding Better Dogs”, escrito por K. Onstott.
Prognóstico:
Pela possibilidade de um “criador cego” ser cego justamente para falhas graves ou defeitos genéticos em seus cães, tais defeitos podem se fixar em poucas gerações. A menos que o diagnóstico e o tratamento sejam rápidos, a “Cegueira dos Canis” pode causar o fim do que seria uma criação de sucesso.
Sintomas:
Por sorte, os sintomas mais comuns da “Cegueira dos Canis” são fáceis de diagnosticar. A seguir, temos três dos mais característicos sintomas:
Sintoma 1: Tendência a ignorar virtudes e sempre focar os defeitos nos cães dos outros. Criadores “cegos” tendem a focar nas características negativas dos cães dos outros. Frequentemente, o que veem como falta pode até ser uma característica aceitável naquela raça.
Tratamento:
Releitura constante do padrão da raça para compreender que os padrões esboçam aspectos essenciais de uma raça e que estilos diferentes até existem.
Imagine que você é um juiz especializado e crie o hábito de olhar primeiro as virtudes dos cães alheios. Se um mesmo cão vence diferentes competições com diferentes juízes, isso normalmente significa que o cão possui qualidades obvias e destacadas quando comparado a outros.
Sintoma 2: A crença que você conseguiu criar o cão “perfeito”.
Não existe, nunca existiu e nunca existirá o cão perfeito, independente da raça, pois até mesmo o que você considera o seu mais perfeito cão, pode ser superado a qualquer momento.
Tratamento:
Perceba que seu conceito de ideal representativo de raça pode sofrer modificações com o passar do tempo. O tempo de experiência com uma raça pode mudar gradualmente a prioridade que o criador dá para certas características. Um criador fanático por cabeças perfeitas pode começar a achar que angulação e movimento também são aspectos importantes em sua criação.
Sintoma 3: Culpar juizes pelo fato do seu cão não vencer exposições, de interesses ou qualquer outra coisa, menos pela possibilidade de que exista algo errado com seu cão.
Falta de esportividade e “Cegueira dos Canis” podem andar de mãos dadas. Os criadores “cegos” sempre possuem uma justificativa para o fato de seu cão não vencer. Enquanto algumas de suas razões possam ser legítimas, perder constantemente sob o julgamento de diferentes juízes pode significar que o cão não se encaixa perfeitamente em aspectos importantes do padrão da raça.
Tratamento:
Se o seu cão não está vencendo, peça que pessoas com conhecimento para tal avaliem objetivamente o seu cão. Peça para serem honestos e ouça os comentários com a mente aberta.
Você faz parte do grupo de risco? Os mais afetados pela Cegueira dos Canis são:
* Criadores que não possuem “olho” para cão.
“Olho para cão” é a habilidade inata que a pessoa deve possuir para olhar o cão como um pedaço e reconhecer o equilíbrio, qualidades e a exatidão em qualquer raça. Alguns criadores simplesmente não nascem com olho para cão apesar de lerem ou estudarem sobre o padrão da raça que criam, sendo incapazes de avaliar corretamente a estrutura e a movimentação dos cães sendo, portanto, cegos perante as falhas de seus cães.
* Novatos, ou mesmo criadores de longa data, que são fortemente afetados pelo temperamento e personalidade de um cão em particular.
Muitos criadores “cegos” acreditam que todos os filhotes são engraçadinhos. Esses proprietários normalmente decidem criar não para aperfeiçoar a raça, mas porque amam a personalidade de seu cão e querem produzir mais filhotes como ele. Criadores desse tipo são cegos devido ao amor pelo seu cão e permanecem cegos ao fato de que seu cão pode não ter nenhuma qualidade.
* Criadores que já produziram cães de qualidade no passado, mas que agora estão lutando para permanecer no topo.
Criadores que possuíram algum superstar no passado geralmente estão procurando pelo seu próximo grande vencedor. Em alguns casos, tal superstar do passado pode ter sido um grande golpe de sorte ao invés do resultado de práticas pensativas baseadas em princípios genéticos da criação.
O primeiro cenário consta de um programa de criação baseado unicamente em práticas não genéticas, como os cruzamentos ao acaso. Ninhadas de cruzamentos ao acaso normalmente não podem ser consideradas para repassar seus traços, pois não possuem homozigotos idênticos por descendência em seus pares de genes. Existe um princípio genético aceitável onde ninhadas que carreguem uma alta proporção de genes idênticos por descendência possuam uma maior chance de repassar traços que sejam influenciados por esses genes. Como resultado, em cruzamentos ao acaso pode haver menos consistência e qualidade da ninhada.
Um segundo cenário diz respeito ao criador que é confrontado com uma depressão de consanguinidade, mas se recusa a considerar o “outcrossing” para dar um vigor híbrido. A cada geração, a qualidade dos cães diminui. Em ambos cenários, o ardente desejo de produzir a próxima estrela torna os criadores cegos para o fato que estão produzindo cães medíocres.
Bons criadores estão sempre cientes do que precisam para melhorar a próxima geração.
* Criadores que possuem um número muito pequeno de cães.
Porque pequenos criadores possuem menos opções de escolha, há muita pressão para que uma ninhada “mostre serviço”.
* Criadores para quem todos os momentos de vigília girem em torno de cães.
Fazer dos cães uma situação de vida ou morte pode dificultar a habilidade do criador de admitir objetivamente os defeitos de seus cães.
* Indivíduos cujos mentores possuíam “Cegueira dos Canis”.
Neste caso, é a teoria do ”tal pai, tal filho”.
Características de um canil sadio (sem “Cegueira dos Canis”):
É objetivo e consciente no que diz respeito ao que produz, e sempre atento ao que necessita aperfeiçoar na próxima geração.
Independentemente de tempo ou esforço já dispensados, está sempre pronto a remover cães que não produzam nada de significativo de sua criação, mesmo que isso signifique recomeçar com uma nova linhagem.
Possui olho para cão e pode apreciar um cão independentemente de quem o criou ou produziu.
Dicas para corrigir a visão:
Se diagnosticada em tempo, a “Cegueira dos Canis” pode ser curada antes que cause um efeito devastador em sua criação.
Evite enfatizar uma certa característica de sua criação em detrimento da exatidão total. Embora muitos criadores tentem enfatizar a excelência do cão como um todo, faz parte da natureza humana extrair certas características. De fato, a importância que damos a um traço em particular em nossos cães pode ser parte de como expressamos nosso estilo de criação. Um criador pode ser maníaco por dianteiras e outro por traseiras. O perigo aqui é que focando em apenas uma característica, podemos nos tornar cegos para outras falhas que possam surgir na criação.
Para avaliar o seu nível de “Cegueira dos Canis”, peça a algum criador que você respeita para avaliar seus cães. Algumas das melhores pessoas para se fazer tal pedido são juízes ou criadores reconhecidos (que não façam parte do seu círculo de amizades), que tenham produzido bons cães e que não possuam “Cegueira dos Canis”, explicando para que critiquem honestamente as virtudes e os defeitos de seus cães. Peça para que mais de uma pessoa qualificada faça isso e compare as avaliações deles com a sua própria avaliação.
Esteja preparado a fazer mudanças, mesmo que isso signifique eliminar ou adicionar novos cães em sua criação. Tão difícil quanto é admitir que não alcançamos o êxito, o entendimento de que nossos cães não estão atingindo nossas expectativas, pode ser o primeiro passo na concepção de um plano para se obter o que realmente desejamos.